domingo, 26 de julho de 2015

O que nos deixam os avós

Lembro do pão com manteiga e açúcar, dos seus cabelos brancos brancos e das tardes infindáveis lendo os capítulos da novela e assistindo ao programa de Silvio Santos na TV.
Lembro de mim, encarapitada no portão, vendo-o atravessar a rua, e as infinitas maçãs e peras guardadas na gaveta do quarto no hospital,  presentes a cada visita.
Lembro do colo, das canções e do estado de hipnose em que eu ficava quando, devidamente aninhadas na confortável poltrona marrom na salinha, apertava com a ponta de meus dedos a sua veia saltada no rosto, inebriada com o cheiro de cigarro e com os desenhos feitos com a fumaça.
Lembro de um dia chuvoso, a varanda molhada, palavras distantes de uma música surgem na minha lembrança de criança de 04, 05 anos.
Às vezes acho que a minha memória se confunde com as informações colhidas aqui e ali. Preencho os vazios com um pouco de minha imaginação? Faço força para lembrar de fatos impossíveis de serem retomados. Me prendo aos fios de minha memória e, com eles, costuro a teia de minha história, tecendo uma trama ora firme, ora esgarçada, mas que serve para me cobrir nos dias e noites sem alento.
Avós são engraçados. Confundem-se no seu papel e, às vezes, são moles como geleia, mas de vez em quando querem mostrar autoridade (apesar de nem sempre serem muito eficazes nisso).
A mesma avó que me dava pão com manteiga e açúcar me obrigava a tomar sopa. A outra me regalava com as assassinas balas soft, mas me ensinou a comer alface. Um avô nos dava salada de fruta com vinho, mas, quando brigava, não ficava pedra sobre pedra. Do último, o que primeiro perdi, restam apenas algumas imagens e sons embaçados. Pode ser que ele tenha me ajudado a enrolar o spaguetti, limpado a meu queixo sujo de molho ou até cantado para mim. 
O que importa mesmo é que avós são uma bênção. Quem ainda os tem, trate de aproveitar e se munir, o máximo possível, das melhores recordações. São elas que vão ajudar a segurar a onda quando a saudade bater. Porque sim, essa dor virá. E a saudade será insuportável  por um tempo. Até o dia em que reviver as histórias faça surgir, das lágrimas, um sorriso.
E para quem já é avô ou avó, sugiro que faça a sua parte para ser inesquecível. Porque não serão os presentes caros, brinquedos de última geração, passeios no shopping que deixarão uma marca no coração de seus netos,  mas a presença, os ensinamentos, as lições e as experiências que viveram juntos, mesmo aquelas mais simples e aparentemente insignificantes.
A maior herança de um avô ou avô,  mesmo já não estando mais nesse plano, é a capacidade de fazer seu neto ou neta extrair de si os melhores sentimentos e atitudes.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Tá faltando lugar no inferno para tanta boa intenção

Eu não costumo gostar de gente bem intencionada. 
Tenho preguiça quando vejo, a cada dia, uma nova boa ação. Porque boa ação das boas mesmo precisa ser divulgada, de forma ampla e irrestrita, para todo mundo ver.
E são tantas frentes de atuação que me dá até canseira. 
Tá, a pessoa é iluminada, tem a solução para todos os problemas do mundo, resolve de fome a unha encravada, e o que eu tenho a ver com isso?
Detesto quem posa de bom moço - e boa moça. Quem sorri demais, é solícito demais, disponível demais. Ou não é bem assim?
Parece que a virtude no comportamento, pelo visto, só se mantém íntegra sob os holofotes. Quando as luzes se apagam, todos os esforços são engendrados para que elas se acendam novamente, se possíveis ainda mais fortes.
Fazer o bem é apenas um detalhe nessa complexa engenharia. O destinatário das caridades somente usufrui de um efeito colateral. Porque o intuito primeiro é aparecer. Os demais objetivos são uma incógnita. 
Daí vale tudo. Não vou nem listar a quantidade e variedade de iniciativas, porque as pessoas podem se sentir ofendidas de não serem capazes de fazer tanto, com tanta qualidade e em tão pouco tempo. É muita criatividade, muito conhecimento e muita humildade. Saber tudo sobre tudo não é para qualquer um. E demonstrar isso com tanto propriedade então, é tarefa para poucos. Quando a pessoa dedica boa parte de seu tempo para fazer essas ideias acontecerem, aí não tem para ninguém. Vamos nos recolher à nossa insignificância e deixar brilhar quem de fato merece.
Eu só desejo uma coisa. Que essas pessoas bem intencionadas vão para... onde quiserem, desde que seja bem longe de mim.