sexta-feira, 23 de maio de 2014

Temos todo o tempo do mundo? Não, as coisas não são bem assim...

Saber eu até sei. Mas quem disse que eu me conscientizo de que não sou a mulher-maravilha? Que não dá para manter as coisas no ritmo que estão? Que dormir 5h/6h por noite não é sustentável? E que a empolgação somente vai servir para mascarar o cansaço por um tempo?
Têm sido semanas puxadas. Muito trabalho e outras atividades. Morro de inveja de quem tem no trabalho uma forma de prazer, mas não é o meu caso. Gosto da função que ocupo e do trabalho que faço, me sinto recompensada quando preparo uma minuta de sentença que exigiu mais de mim, mas daí a sentir prazer com isso é outra história. Trabalho é trabalho e pronto. Sem dramas.
Também não posso dizer que gosto de malhar. Malho porque sim. Fico feliz com o resultado, gosto de ver minha evolução, mas o momento em si, blergh. Se não fosse Danilo, bem provável que eu já tivesse jogado a toalha.
As outras atividades me preenchem e me divertem. Adoro escrever e tenho me dedicado a isso. A bicicleta me conquistou e agora, definitivamente, faz parte de minha vida. O italiano também é uma festa, tanto pela aula quanto pelos colegas.
No entanto, tudo demanda investimento do mais caro: tempo. Porque felizmente ou infelizmente, quando eu me dedico a algo, faço de corpo e alma. Gosto de participar, de entender. Gosto de fazer a diferença. Não sei ser de outro jeito.
E aí, quando me dou conta, já são 23:00h, 00:00h. E no outro dia acordo às 06:00h, ou às 05:00h, então bate o desespero porque o despertador avisou que está programado para tocar daqui a 05horas, 07 minutos e 32 segundos. E quando se quer dormir logo, aí é que o sono não vem mesmo.
E aí chegamos ao resultado da equação. Se eu não consigo ler o que os bocejos e as olheiras significam, o corpo manda recados mais enfáticos. De repente, uma azia meio do nada. Depois, uma garganta que começa a doer inesperadamente. E aí, analfabeta, vai entender o recado ou vou precisar desenhar?
Então, a partir de agora, tenho dois objetivos. O primeiro é conseguir dormir cedo. Se tem bike num dia à noite, no outro dia eu preciso ir para a cama mais cedo. Isso demanda uma logística de organização maior, deixar algumas coisas já arrumadas, mas vai ter de ser assim.
O segundo objetivo é dizer um pouco mais de não. Não, eu não preciso ajudar todo mundo. Não, eu não preciso procurar isso no google, porque qualquer um pode fazer. Não, eu não preciso tomar todas as responsabilidades para mim.
Ou seja, se eu quiser continuar fazendo todas as coisas que preciso e gosto, tenho de me cuidar melhor Afinal, pior é depois cair doente e não conseguir fazer nada.
E termino com a frase mais bela do dia, que não garanto a autoria  - Marcel Proust - nem a literalidade: uma hora não é uma hora, é um vaso cheio de perfumes, de sons, de projetos e de climas. 

domingo, 11 de maio de 2014

A herança - apenas uma pequena homenagem

Apoiou os braços na cômoda e ficou na pontinha dos pés, como fazia todos os dias desde que se entendia por gente. Muito difícil controlar a ansiedade. Mal conseguia enxergar o próprio rosto no espelho, mesmo se esticando o máximo que podia. Quando afinal triscou naquele que era seu maior desejo, não se conteve e sorriu triunfante.
Lembrou da primeira vez que o viu, no colo da mãe. O encantamento foi imediato. Aquela profusão de cores deixou-a hipnotizada. Seria possível existirem tantas?

Olhou para o lado assustada. Será que a mãe sabia daquelas incursões diárias? Encolheu-se. Sentiu-se envergonhada, as bochechas ficaram vermelhas. Saiu correndo, mas, vendo-se sozinha em casa, retornou ao quarto e para o seu mister.

Puxou o objeto para si, apertou bem forte contra o peito para não deixá-lo cair e sentou-se encolhida em um canto entre o guarda-roupa e a sapateira. Abriu a tampa, mirou demoradamente cada detalhe. Fotografou cada cor, cada matiz. Passou os dedos por toda sua extensão. Sentiu as diferentes texturas misturando-se de forma quase circense em sua pele. Aspirou o perfume. Explorou cada compartimento, arregalando os olhos com a quantidade de coisas que cabia ali dentro. Alisou, mexeu, experimentou.

Transformou-se ela mesma em uma cobaia, tão concentrada em sua descoberta como se o mundo ao qual pertencesse se resumisse àquele minúsculo vão de 50cmx60cm. Apesar do breu no esconderijo, tinha convicção do que fazia. Ansiou a sua vida inteira de cinco anos por aquele instante. Torcia para que não tivesse fim. Ainda havia muita coisa para ser testada ali.

Ouviu o barulho da maçaneta. Viu-se enfim desmascarada, a mãe entrando e despejando um sermão daqueles.

Ergueu a cabeça, e a mãe apareceu de pé à sua frente. Sua fisionomia misturava indistintamente surpresa e zanga. Antes que começasse o falatório - e o carão – levantou-se, colocou as mãos nas cadeiras, fez a sua melhor cara de convencimento e, em tom de inquisição, perguntou:

- Mãe, quando você morrer, seu estojo de maquiagem vai ficar para mim de herança?

Segundos depois, estava refestelada na própria cama, curtindo plenamente a sua mais nova aquisição, com a alma tão colorida que nem o arco-íris pintado em sua face era capaz de demonstrar.