Tralhas. Lixo. Inutilidades. Coisas nunca usadas. Usadas até a exaustão. Esquecidas no fundo de gavetas. Escondida em prateleiras. Poeira. Teia de aranha. Olha, eu estava procurando essa roupa. Ou não. Muriçocas alvoroçadas por terem sido expulsas de seus esconderijos.
Frascos estão guardados em meio a pratos, garrafas e outros itens descombinados. Por mais que caixas e caixas sejam retiradas, parece impossível tirar daqui tudo que nos pertence.
O importante é esvaziar. Sair. Transformar aquilo que já foi um lar em um reles imóvel. Aluga-se?
Saem caixas e sacos, repletos, pesados. Fica parte de uma história.
Impossível não me emocionar. Relembrar tudo que vivi desde o dia que enchi o apartamento de toda a sorte de utilidades domésticas e de expectativas.
O dia em que comemos pizza, ainda sem mesa, sem móveis, sentados no chão.
A noite do open house. Tantas visitas vieram. Tantas noites de domingo preguiçosas. Quantos amanheceres vi de minha janela enquanto me arrumava para ir pedalar. Aniversários, copa do mundo, dia dos namorados coletivo...
Fui feliz aqui. Mas serei feliz em qualquer lugar. Clichê ou não, nosso lar é onde o coração está. E talvez o meu não estivesse mais aqui.
domingo, 27 de setembro de 2015
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Sobre caminhos, bagagens e todas as outras coisas
Eu sinto que, de quando em quando, preciso de algo mais do que apenas desacelerar o passo. Por vezes, como agora, sou obrigada a estancar a marcha, recuar, arredar para não cair na cratera que se abre praticamente debaixo de meus pés. Erosão de minhas certezas, as verdades se desmantelam em pó.
E aí me desfaço de sonhos, deixo algumas vontades pelo chão, abro mão de algum conforto, tudo para poder seguir. Embalo minhas esperanças, encaixoto suspiros, empacoto minhas lágrimas. As alegrias, ah, essas protejo uma por uma em plástico bolha, para não correr o risco de quebrarem no meio do caminho.
Em um cômodo vazio, agora tão grande, resta apenas a necessidade inabalável de sair do lugar. O eco de meu silêncio relembra que essas paredes não são minhas. Meus quadros deixam marcas encardidas na pintura branca, que não representam nenhuma história. Permanecer é um lamento. Não soma, não agrega. Apenas tira, aos poucos, lasquinhas de minha felicidade, como quem cutuca uma casca de ferida até sangrar.
Mas se o destino é incerto, que meu caminhar seja leve. Passos decididos, mas animados, certos de que precisam continuar o seu percurso, não importa qual.
E o olhar para trás, que seja breve, para que não me pese o coração, já que as bagagens são um fardo suficientemente grande a ser carregado por mãos tão pequenas quanto as minhas.
domingo, 13 de setembro de 2015
Aquilo que me falta
Eu
às vezes sinto falta do chão. Daqueles bem firmes, que não sacoleje a cada
intempérie da vida. Que não balance quando eu pestaneje. Que seja
suficientemente resistente para que eu possa fincar meus alicerces.
Sinto
falta de luz. De estar tudo às claras, visível, na superfície, bastando que eu
estique a ponta de meus dedos para que possa tocar em todos os fatos,
sentimentos e sensações.
Sinto
falta da brisa, de um vento fresco que traga ares de novidades e que leve
consigo ar pesado que me oprime o peito. Um sopro que bagunce os cabelos, o
vestido, a mesmice.
Sinto
falta de ombros mais fortes que os meus, nos quais eu possa me apoiar e que me
ajudem a suportar o peso do mundo. Daqueles em que eu possa subir e olhar o
mundo mais adiante.
Sinto
falta de colo que me aconchegue e me acolha, onde eu possa simplesmente
acomodar minha cabeça e ganhe, de brinde, um cafuné e a sensação de que ali é
meu lugar.
Sinto
falta de mãos vigorosas nas minhas, que me deem a certeza de que posso fechar
os olhos e me deixar ir, confiando que elas sabem exatamente para onde estão me
conduzindo. Mãos que cumprimentam, que guiam, que apoiam, que acarinham.
Sinto
falta de pés que caminhem comigo, dividindo os estradas, deixando para trás
pegadas de uma história e escolhendo, juntos, novas trajetórias. Pés que optem
por traçar destinos em comum, percorrer as mesmas veredas.
Sinto
falta de olhos que me vejam além do óbvio, além da casca, que compartilhem os
horizontes e que sejam cúmplices nos brilhos que causarem uns aos outros.
Eu
sinto, apenas, sinto, que mais me falta do que me basta. Que são muitos os
buracos. Que as ausências preenchem de forma opressora. Que as fugas apenas
tornam mais presente e perene aquilo que aflige. E que chega um momento em que
as verdades precisam vir à tona para libertar todo o resto, ainda que o preço a
pagar seja alto. Ainda que doa. Ainda que tudo se rasgue, ainda que tudo vire pó.
Mesmo aquilo que, em verdade, nunca existiu.
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