domingo, 26 de julho de 2020

O que nos deixam os avós

Texto de 26/07/2016 Lembro do pão com manteiga e açúcar, dos seus cabelos brancos brancos, da cócega nos pés e das tardes infindáveis lendo os capítulos da novela no jornal, fazendo crochê (o que ficou cada vez mais difícil) e assistindo ao programa de Silvio Santos na TV.
Lembro de mim, encarapitada no portão, vendo-o atravessar a rua, dos passeios à chácara, e as infinitas maçãs e peras guardadas na gaveta do quarto no hospital, presentes a cada visita.
Lembro do colo, das canções em italiano e do estado de hipnose em que eu ficava quando, devidamente aninhada na confortável poltrona marrom na salinha, apertava com a ponta de meus dedos a sua veia saltada no rosto, inebriada com o cheiro de cigarro e com os desenhos feitos com a fumaça.
Lembro de um dia chuvoso, a varanda molhada, palavras distantes de uma música surgem na minha lembrança de criança de 04 ou 05 anos.
Às vezes acho que a minha memória se confunde com as informações colhidas aqui e ali. Preencho os vazios com um pouco de minha imaginação? Faço força para lembrar de fatos impossíveis de serem retomados. Me prendo aos fios de minha memória e, com eles, costuro a teia de minha história, tecendo uma trama ora firme, ora esgarçada, mas que serve para me cobrir nos dias e noites sem alento.
Avós são engraçados. Confundem-se no seu papel e, às vezes, são moles como geleia. De vez em quando, querem mostrar autoridade, apesar de nem sempre serem muito eficazes nisso.
A mesma avó que me dava pão com manteiga e açúcar me obrigava a tomar sopa. A outra me regalava com as assassinas balas soft, mas me ensinou a comer alface. Um avô nos dava salada de fruta com vinho, mas, quando brigava, não ficava pedra sobre pedra. Do último, o que primeiro perdi, restam apenas algumas imagens e sons embaçados. Pode ser que ele tenha me ajudado a enrolar o macarrão, limpado meu queixo sujo de molho de tomate, jogado boccia comigo ou até cantado para mim.
O que importa mesmo é que avós são uma bênção. Quem ainda os tem, trate de aproveitar e se munir, o máximo possível, das melhores recordações. São elas que vão ajudar a segurar a onda quando a saudade bater. Porque sim, essa dor virá. A melancolia será insuportável por um tempo. Até o dia em que reviver as histórias faça surgir, das lágrimas, um sorriso.
E para quem já é avô ou avó, sugiro que faça a sua parte para ser inesquecível. Porque não serão os presentes caros, brinquedos de última geração e passeios no shopping que deixarão uma marca no coração de seus netos, mas a presença, os ensinamentos, as lições e as experiências que viveram juntos, mesmo aquelas mais simples e aparentemente insignificantes. A maior herança é ser exemplo e espelho, é fazer seu neto ou neta extrair de si os melhores sentimentos e atitudes.
Deixo aqui a minha singela homenagem a Marcello, Pierina, Celestino e Dalva, de quem carrego nome e história.
"Brilha onde estiver,
faz da lágrima o sangue
que nos deixa de pé"

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Texto de 23/07/2017
A noite passa devagar, apesar das gargalhadas que a recheiam com a mesma competência que as cebolas caramelizadas e o krem rechearam nossos hambúrgueres. Sim, hambúrgueres, como aprendemos há anos na propaganda da rede de fast food do palhaço. Mas aqui o katchup é caseiro, e dessa vez não é de goiabada.
Não são nem 22h, mas a noite foi tão generosa quanto a porção de batata frita de forno que comemos de forma quase instantânea.
Ah, a mesa que parece não caber todo mundo, mas se ajeitar direitinho todo mundo come. E ri. E revela confidências. E troca olhares. E chamados. Tudo normal.
O papo segue firme enquanto brincamos de bobinho e falamos amenidades e abobrinhas com entusiasmo. Polenta.
Circulamos por todos os assuntos, mas a noite pede leveza. Talvez porque a gente já esteja um pouco cansado de carregar tanta atrocidade no coração. Nossos sorrisos precisam se conectar. E se unem numa vibração que segue o compasso de Kaoma. Por que é que você foi embora sem dizer pelo menos adeus? Rum bum bum bum bum bum bum.
Já vão? Avisem quando chegarem. Voltem sempre. A cama está disponível.