Apoiou
os braços na cômoda e ficou na pontinha dos pés, como fazia todos os dias desde
que se entendia por gente. Muito difícil controlar a ansiedade. Mal conseguia
enxergar o próprio rosto no espelho, mesmo se esticando o máximo que podia.
Quando afinal triscou naquele que era seu maior desejo, não se conteve e sorriu
triunfante.
Lembrou
da primeira vez que o viu, no colo da mãe. O encantamento foi imediato. Aquela
profusão de cores deixou-a hipnotizada. Seria possível existirem tantas?
Olhou
para o lado assustada. Será que a mãe sabia daquelas incursões diárias?
Encolheu-se. Sentiu-se envergonhada, as bochechas ficaram vermelhas. Saiu
correndo, mas, vendo-se sozinha em casa, retornou ao quarto e para o seu
mister.
Puxou
o objeto para si, apertou bem forte contra o peito para não deixá-lo cair e
sentou-se encolhida em um canto entre o guarda-roupa e a sapateira. Abriu a
tampa, mirou demoradamente cada detalhe. Fotografou cada cor, cada matiz.
Passou os dedos por toda sua extensão. Sentiu as diferentes texturas
misturando-se de forma quase circense em sua pele. Aspirou o perfume. Explorou
cada compartimento, arregalando os olhos com a quantidade de coisas que cabia
ali dentro. Alisou, mexeu, experimentou.
Transformou-se
ela mesma em uma cobaia, tão concentrada em sua descoberta como se o mundo ao
qual pertencesse se resumisse àquele minúsculo vão de 50cmx60cm. Apesar do breu
no esconderijo, tinha convicção do que fazia. Ansiou a sua vida inteira de cinco
anos por aquele instante. Torcia para que não tivesse fim. Ainda havia muita
coisa para ser testada ali.
Ouviu
o barulho da maçaneta. Viu-se enfim desmascarada, a mãe entrando e despejando
um sermão daqueles.
Ergueu
a cabeça, e a mãe apareceu de pé à sua frente. Sua fisionomia misturava
indistintamente surpresa e zanga. Antes que começasse o falatório - e o carão –
levantou-se, colocou as mãos nas cadeiras, fez a sua melhor cara de
convencimento e, em tom de inquisição, perguntou:
-
Mãe, quando você morrer, seu estojo de maquiagem vai ficar para mim de herança?
Segundos
depois, estava refestelada na própria cama, curtindo plenamente a sua mais nova
aquisição, com a alma tão colorida que nem o arco-íris pintado em sua face era
capaz de demonstrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário