domingo, 1 de março de 2015

Zap Zap: o retrato de nossa sociedade (ou mais um texto de uma chata)

Eu uso Internet há muito tempo. Vivi a fase do VP Telebahia, bate-papo do UOL, Mirc, ICQ, Msn, Orkut... Agora é Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp. Ou Zap Zap para os íntimos.
Cada rede social ou ferramenta de comunicação dessas tinha as suas peculiaridades que as fizeram ser febre em sua época. Se bem que na época do VP a sua característica maior era ser a única. Ou uma das únicas. Enfim. Era raro pra caramba.
Nós dávamos valor ao fato de usar a Internet. Era caro acessá-la. Envolvia altos custos de telefonia e provedor. A manha era usar depois da meia-noite e aos domingos Viva ao pulso único isso ainda existe?.
Com o tempo, foi-se a Internet discada, veio a banda larga e a sua consequente popularização, uma vez que o preço baixou consideravelmente.
Algum tempo depois, começou uma evolução nos aparelhos telefônicos, que passaram a agregar diversas funções. A tendência de diminuição de tamanho reverteu-se e eles aumentaram sensivelmente para dar conta de tantas funcionalidades incorporadas.
Com telas maiores e dispositivos mais rápidos, o uso da Internet nos smartphones sofreu um incremento significativo. Isso sem falar na queda do preço para navegar, uma vez que as operadoras passaram a fazer campanhas agressivas de acesso ilimitado por valores muito baixos.
Essa encheção de linguiça toda foi para falar que hoje gato e cachorro usa Internet. Eu acho isso ótimo. Não imagino a minha vida sem, apesar de conseguir periodicamente me desconectar. E acho que não acessar Internet hoje em dia promove um aprofundamento do abismo entre classes. Informação é poder. Quer dizer, boa informação é poder. Infelizmente nem todo mundo dá valor e sabe usar corretamente esse recurso.
Eu, como falei há alguns dias, já superei quase completamente a fase dos selfies desregrados e do #instafood chatíssimo. Filtro o que leio e o que publico. Checo, confirmo antes de disseminar um fato. Procuro me preservar e evitar exposição desnecessária e sem propósito. Enfim, isso vocês já sabem. 
A questão é que muita gente que começou a usar a Internet atualmente não passou pela sua evolução. Isso significa postar agora coisas que foram enviadas em correntes de email dez anos atrás. Sim, existia uma coisa chamada corrente de email. Esse, no entanto, é o menor de nossos problemas, como vocês poderão constatar mais adiante.
Vou falar especificamente do Whatsapp. Ele é um fenômeno da comunicação rápida e instantânea, uma vez que é acessado pelos smartphones. Permite interação o tempo todo, inclusive com troca de imagens, vídeos, localização...
A criação de grupos atende a finalidades específicas e, às vezes, momentâneas. Temos grupo da família, dos amigos de escola, do baba, do aniversário de fulana, do trabalho...
E se algumas dessas afinidades por vezes fazem com que se reúnam pessoas parecidas, com muitos pontos em comum inclusive os níveis de bom senso,  elas nem sempre são suficientes para que as pessoas ali congregadas sejam minimamente semelhantes.
Daí vemos uma profusão de assuntos sendo discutidos em total dissonância com o tema do grupo, postagem de piadas muitas vezes de cunho racista, homofóbico, machista, além dos boatos, correntes, manifestações políticas desprovidas de profundidade e racionalização. Também não podemos esquecer das mensagens de auto-ajuda, com frases saídas do livro Um pensamento por dia ou de O segredo.
E por fim tem ele, o famigerado  "bom dia". Odiado por 9 entre 10 usuários do Whatsapp, o diabo do bom dia consegue se manter firme e forte mesmo após as mais violentas tentativas de bani-lo do mundo virtual.
As estratégias de silenciar o grupo e não baixar automaticamente as mídias não resolve. Quando acordamos e vamos ler as mensagens, perdemos 10 minutos apenas para ultrapassar o bom dia. Claro que o dia já não vai ser tão bom, afinal, suportamos essa maratona todas as manhãs.
Apesar das tentativas de algum tipo de regulação nos grupos, a falta de noção permanece. O desrespeito ao espaço do outro prevalece, baseado numa suposta liberdade de expressão e direito ao entretenimento. Claro, há também o dever de informação, que faz com que as pessoas compartilhem as piores aberrações sem ao mínimo se dar ao trabalho de fazer uma verificação de 30 segundos. É a famosa "Não sei se é verdade, mas...".
Aí as pessoas vão gerando um tráfego de informações inúteis, ocupando o tempo das pessoas e normalmente fazendo com que o grupo  não atenda à finalidade para a qual foi criado. E nem estou mencionando o desrespeito e disseminação do preconceito ao serem postados conteúdos homofóbicos, racistas e machistas.
Ah! E as mensagens que podem configurar a prática de crime de calúnia, injúria ou difamação? Sim, porque quando você compartilha boatos, a depender de seu conteúdo, isso é crime sim. Então cuidado, viu? Não custa nada das uma "gulgada". É rápido, normalmente você nem precisa clicar no link para obter a informação de que aquilo que ia postar é mentira. 
Temos ainda a afronta, o insulto, o menosprezo pelas crenças, pelas origens, pela religião alheia. Já vi piadas falando de judeus, de macumba, de ebó... Obviamente essas mensagens não são engraçadas. Mas tem quem ria delas. E dentro do tema fé, há mensagens de cunho religioso que devem encher o saco de quem é agnóstico ou ateu. E talvez quem seja de candomblé se sinta incomodado com fotos de Jesus, Maria, José. Quem é evangélico não deve se sentir muito bem com as imagens de santos. Assim, se não é o foco do grupo, se não é um grupo dos frequentadores da missa tal, do terreiro tal, do templo tal, acho que não cabe. Só acho.
Sendo mulher, me sinto pessoalmente atingida por fotos de mulheres em poses sensualizadas, por achar que isso reforça a posição feminina como um objeto sexual. Ou vídeos de flagras de relações sexuais e conteúdos afins. Opa, crime, hein? Da mesma forma, se fosse gay, me sentiria ofendida com piadas homofóbicas. Aliás, não só piadas, mas reprodução de vídeos etc. Crime, lembra? Se sou negra, agridem-me as piadas racistas. Crime mais uma vez. Não cansou ainda não? E você perguntou a todos os participantes do grupo se eles curtem ficar vendo homens e mulheres pelados? Vídeos pornô?
Pessoalmente, sinto raiva ao ver publicações que atentam contra a democracia, a justiça, a liberdade, que reforçam a ideia de """justiça""" com as próprias mãos, de vingança. Tenho pena de quem publica mensagens pedindo para as pessoas terem cuidado com os presos sairão no indulto de Natal, afinal nem sabem a diferença entre indulto e saída temporária, ou que anunciam confisco de poupança, fim do 13° salário, pedem impeachment e nem sabem escrever sem usar o corretor ortográfico, mas não fazem ideia de quem vai para o lugar de Dilma. E os que berram contra o auxílio reclusão??? Aff!!!
Ninguém venha argumentar que as pessoas muitas vezes compartilham sem ler. Aí, além de irresponsável, esse indivíduo é burro. Eu perdoo ignorância, mas burrice não. As pessoas não podem justificar a sua inconsequência pelo fato de não terem lido a informação que divulgaram. 
Esse texto está enorme, do tamanho da minha falta de paciência com alguns grupos de Whatsapp. Tenho saído quando vejo que o desrespeito e o transtorno superam os benefícios da comunicação rápida e do entretenimento. Muitos podem argumentar que eu sou intolerante e que não sei conviver em grupo. Sim, sou 110% intransigente com algumas posturas como racismo, homofobia e machismo acho que isso já ficou claro, né?. E sim, tenho dificuldade de conviver em grupos em que condutas como essas são aceitas e até consideradas engraçadas. Lembrem-se, crianças, nunca é apenas uma piada.
Então, fiquem tranquilos. Nos grupos em que esse conteúdo é permitido e até aplaudido, vocês estão livres da participação da chata aqui. 

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